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Architects: Ana Altberg, Cesar Jordão
- Area: 306 m²
- Year: 2021
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Photographs:Federico Cairoli
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Manufacturers: Marcenaria Quiari, Lumar Marcenaria, Marcenaria Baraúna, Morito Ebine
Text description provided by the architects. Desde a primeira visita, ficamos muito impactados com a potência da Serra da Bocaina, assim como a cliente que nos solicitou uma casa que "abraçasse a paisagem". Após muitos estudos e conversas, a fim de interpretar esse desejo, chegamos a uma forma curva que busca incorporar panoramicamente o exterior ao interior da casa. Com esse objeto semi-elíptico, revestido por materiais familiares à floresta, buscamos atenuar fronteiras entre a construção e seu meio, estabelecendo uma arquitetura que se coloque de uma forma respeitosa neste delicado ecossistema. O desafio de negociar espaços comuns e privados numa forma circular nos levou a observar outras referências arquitetônicas, construções vernaculares, espaços comunitários que têm um profundo vínculo com seu meio. Este caminho também nos levou a refletir sobre a tipologia residencial, sobre mímese e contexto; sobre "conforto" e "contemplação da natureza"; sobre a escala temporal de uma construção e a intensidade de sua pisada no solo.
Em busca da casa circular, em um espaço contido entre muitas árvores, acabamos encontrando a intersecção entre dois arcos onde situamos o projeto. Dois quadrados afastados e rotacionados a 45 graus são articulados por curvas, abrigando entre si o espaço comum. Nos quadrados, espaços racionalizados e preservados para quatro suítes, acessadas pelo exterior das varandas curvas. No espaço residual e transparente, a área comum de sala, cozinha e lareira. Esse desenho radial converge para o núcleo magnético da casa: a lareira construída por Lew French com materiais coletados na região. E simultaneamente, esse núcleo abre-se para o exterior, endossado pelo telhado invertido que traz os topos das montanhas para dentro da casa. A floresta tropical pode ser contemplada a partir de um interior protegido de sua vida selvagem. A iluminação artificial é mínima, uma penumbra com suaves focos de luz nos força a recalibrar a visão à noite, para causar menos incômodo à vida que reside lá fora. De dia a casa é voltada para fora, de noite olha para dentro, conformando um espaço uterino em volta lareira.
Os três terraços, no eixo leste-oeste, são plataformas para a observação panorâmica das montanhas e das estrelas. De dia, o piso de pedra branca afasta o calor do sol; e à noite, ilumina o espaço refletindo a luz da lua. A laje do terraço central dobra-se para entrada de luz indireta no interior da casa, junto ao telhado invertido. As diagonais do projeto resultam em desenhos de luz imprevistos, que dançam pela casa ao longo do dia. Os terraços superiores são conectados aos arcos das fachadas norte e sul, e arrematados pelas calhas espelhadas em V, que afunilam e direcionam as águas pluviais de mais de 300 m2 de cobertura aos poços. Apesar de não ser recomendável estar do lado de fora durante uma tempestade tropical, é neste momento que a casa performa sua maior atração e suas extremidades tornam-se duas cascatas torrenciais.
A Serra da Bocaina é uma das maiores áreas protegidas de Mata Atlântica no Brasil, na divisa entre os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Essa região é um segmento da Serra do Mar, uma cadeia montanhosa que se estende por aproximadamente 1.500km ao longo do litoral sul-leste do país. Essas montanhas abrigam uma rica biodiversidade incluindo espécies endêmicas e ameaçadas de extinção, como a onça pintada. Buscamos fazer uma casa nesse sítio de maneira a não saturar seu solo e relacionar-se de forma equilibrada com a preservação desta e de outras paisagens, considerando que parte dos elementos precisaram vir de outros sítios. A região ainda é abundante em água, mas a escalada das mudanças climáticas tem trazido períodos de seca e incêndios, então criamos uma cisterna embutida para captação das águas pluviais com capacidade de 45 mil litros. Todo o saneamento da casa foi feito com técnicas de permacultura como a BET (bacia de evapotranspiração) e o círculo de bananeiras, garantindo que o solo não seja contaminado e que o esgoto se transforme em nutrientes.
A estrutura da casa é mista. Os blocos das suítes e o embasamento são feitos com concreto armado; no interior as vigas metálicas conectam os blocos quadrados e sustentam as lajes dos terraços e a estrutura de madeira do telhado. Houve uma grande preocupação com a proveniência das madeiras, considerando a alta taxa de desmatamento do país nos últimos anos.[1] Toda madeira adquirida para estrutura, fachada, pisos e forro do telhado é de origem de manejo florestal sustentável; e toda marcenaria é feita com materiais de demolição. O ripado de madeira nas fachadas tem função térmica e cria um envoltório de proteção das alvenarias, que se abre e fecha como esquadrias para os quartos. Além dos brises, as cortinas de fibras naturais contornam os ambientes interiores, funcionando como mais uma pele, e um filtro de luz para a casa. A madeira usada nas fachadas é Itaúba - que no idioma indígena tupi associa as palavras "pedra" e "madeira". Pois sua resina natural vai queimando e selando a madeira exposta ao sol, que fica cada vez mais dura e cinza. Com o passar do tempo a casa também envelhece, e seu exterior vai tornando-se cada vez mais pétreo, conformando uma casca dura para um miolo macio e protegido.
Notas:
[1] Segundo a Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, cerca de 85% do consumo interno de madeiras do Brasil deriva de desmate ilegal da floresta amazônica. O mercado de manejo florestal sustentável ainda é pouco desenvolvido no país e o custo dessas madeiras é muito acima do resto do valor de mercado.